sexta-feira, 23 de maio de 2008

Seus pés,



Os pés dela hoje pareciam inquietos. Ainda era quinta feira e muito estava por fazer: terminar de ler o texto da prova, preencher os questionários de um trabalho, fazer o cartaz do estágio. Ah, mas seus pés. Seus pés se tivessem um pouco mais de autonomia do restante do corpo – esse corpo por muitas vezes incapaz de acompanhar o ritmo do tempo e talvez por isso, em especial o dela, se mostrasse sempre tão desengonçado, com as mãos, as pernas, qualquer outro membro, ou todos eles, fora de lugar (com exceção dos pés) – já teriam tudo por terminado, tamanha a ansiedade.
Mas o que as pessoas não compreendiam, e nem poderiam, é o sentido aplicável de “ansiedade” naquele contexto. Seus pés, maltratados desde a época da capoeira, quando foram obrigados a se adaptar à aspereza diária do chão da academia, do passeio onde aconteciam as rodas ou da própria rua asfaltada, eram os únicos membros de seu corpo seguros de si. Sem qualquer compreensão metafórica, eles sabiam onde pisavam. Sabiam se articular.
Quando Ela descobriu o forró, não havia percebido que o mérito de tal descoberta não seria conferido a si. Eram eles, os seus pés, os grandes responsáveis por apresentar a Ela o canto de dor, emoção e, sobretudo, superação do povo do sertão. E foi assim que Ela se encantou com Luiz Gonzaga e seus sucessores, capazes de, num contexto completamente urbano e individualista, manter um refúgio para a cultura brasileira, para a paz, para a alegria e para a unidade entre tanta diversidade. E foi assim também que os pés dela encontraram consolo.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Encontro com a Fé

Por Paulo Justino,

Eu pensava que era feliz, que tinha liberdade.
Pensava que era besteira esse negócio de orar.
Mas na verdade, eu era prisioneiro do ego, das coisas do mundo... e não era feliz.
Então, senti que estava só, que precisava de algo que desse sentido à minha vida; mas sabia também que esse algo não era deste mundo. Que tinha buscar em Deus. Mas qual Deus?
Tantos me foram apresentados. E, em cada um, eu vi Você.
Percebi então que minha busca estava apenas começando.
Quando fiquei cego para o mundo, eu Te vi.
Quando fiquei surdo, pude ouvir Sua voz maravilhosa, as orações e melodias que ela entoava. Tudo era Você... sinal de Sua criação.
Via Você no tronco de uma árvore, no desabrochar de uma flor. Via Você no sorriso de uma criança, nas lágrimas que caem dos olhos de alguém. Via Você em Krishna, Abraão, Buda. Você estava presente na vida de Moisés, Maomé, Zoroastro.
Ah, eu Te amei em Cristo, passei pela Porta e segui em Sua direção. Através dos ensinamentos do Báb Te encontrei e Te amo em Bahá'u'lláh, a Glória de Deus, Mensageiro da Paz, da Unidade, do Amor verdadeiro.
Acreditar, buscar. Isto é Fé.
Porque a Fé é um salto no escuro, nos braços de Bahá'u'lláh.
Quem não tem Fé, não salta... fica apenas no escuro.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Para Carol

Hoje Ela acordou mais cedo. Chegou em casa, ontem, mais de duas da manhã. Olhou o relógio, trocou de roupa e se viu diante de um quarto vazio. Duas camas de solteiro. O sono já havia lhe tomado o corpo. Deitou, mas a irresistível vontade de olhar para o lado não a deixou descansar por completo. Onde estaria agora? Fazendo o que? A uma hora dessas já estaria dormindo. Amanhã será que vai à praia? Em Salvador é verão o ano todo.
Ela nunca se atreveu a escrever sobre a irmã. Nunca lhe pareceu possível e mesmo encorajador traduzir em palavras tamanho amor, carinho e cumplicidade. A cada tentativa, todas frustradas, via-se diante da incapacidade de falar sobre aquilo de mais simples e puro que possuía – esse laço que envolve, enaltece, conforta e enleva. Mas Ela ainda conservava na ponta da língua, e no meio do coração (por mais brega que isso possa lhe parecer – e isso lhe parece), a mesma pureza de quando criança. Cheiro de mato, risada de neném, os primeiros tombos e as primeiras palavras. O mundo se construiu assim. Uma ao lado da outra. Juntas, foram sempre arroz e feijão, sol e mar, forró e música. E agora, essa saudade repentina pareceu apagar todas as desavenças, implicâncias e rivalidades, típicas de irmãs (principalmente gêmeas) que poderiam existir entre as duas. Ê saudade boa. Saudade que Ela sente lembrando-se de que nunca estará só. Mesmo sozinha, estará sempre acompanhada. As duas, agora, são só ternura. As duas, agora, são só saudade.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Ela, apresenta-se.

De outro jeito não pode ser. Decidir quais sapatos usar, ou qual música ouvir. Meu Deus, decidir o que comer. Tudo era tão difícil. Tudo apresentava-se, sempre, tão confuso que Ela não encontrava energias suficientes para refletir. Talvez por pensar demais, ou pensar que pensava demais, atribuía às mais profundas questões ares superficiais, envolvidos por uma névoa de confusões.
Ela era precoce. Amou demais, cedo demais. Leu muito. Manifestou toda a sua curiosidade. E escreveu tanto, que hoje sua pena não compreende mais belas frases e palavras coerentes com todo o seu desejo de expor o que sente. Ela nem ao menos sabe o que sente.