quarta-feira, 9 de julho de 2008

Dona Maria e Senhor José

Ela havia acabado de desligar o chuveiro quando o telefone tocou e sua mãe atendeu. Não era possível escutar os detalhes da conversa, mas podia distinguir algumas palavras isoladas: hospital, exames... diagnóstico. Sentiu-se como Fanis Iakovidis, interpretado por Markus Osse, em O Tempero da Vida. A personagem receava o tocar do telefone, por acreditar vir sempre uma notícia desagradável do outro lado da linha. Não que ela pensasse em mil tragédias sempre que o aparelho emitia seu ruído anunciando uma ligação. Mas, naquele momento, quando sua mãe perguntava a respeito do estado de saúde de sua avó, ela, que mal havia se enxugado e já se apresentava ao lado do telefone - onde tudo se passava, não pôde deixar de temer pelo o que escutaria.

Algumas horas depois, estava diante do quarto 850 do Mater Dei. A porta parecia maior do que a que vira um mês atrás, quando era seu avô o internado. “Pensei que demoraria mais para vê-la de novo, mas aqui estou novamente”, foi o que disse para a porta 850 de cor goiaba e fechadura dourada.

Aquelas mãos - incapazes de esconder o passar dos anos e as vivenciadas 79 voltas da Terra ao redor do Sol, tremiam e já não eram suficientes para sustentá-la quando desejava mudar de posição na cama. Ela cresceu ciente da ordem natural da vida: primeiro se vão os avós, em seguida os pais. E apesar de se achar equilibrada, capaz de compreender a naturalidade dos acontecimentos inerentes à condição humana, percebia-se assustada em ver aquelas mãozinhas tão brancas tremerem sobre a sua própria mão, quando uma acariciava a outra.

Seu avô não poderia dormir no hospital. Ainda estava se recuperando da queda que lhe valera uma cirurgia gástrica e das demais, menores, mas responsáveis por um roxo no joelho, um arranhão no braço e uma bengala nas mãos. E por esse motivo, teria que ir embora.
Ela já estava com seus pais, ao lado da sua conhecida porta de cor goiaba, esperando pelo avô para levá-lo em casa, quando pôde ver Seu José despedindo-se de Dona Maria – um casal de velhinhos, casados há mais de meio século e desacostumados com as implicações de uma vida beirando aos 80 anos. “Amanhã cedinho estou aqui de novo”. “Tem leite na geladeira e aquele biscoitinho que você gosta no armário”.

5 comentários:

Patrícia Ferraz disse...

Ahh, que delicadeza!!!
Espero que ela volte à casa para esquentar o leite dele. Nesses dias de frio, nada como um nescau quente e um cobertor de orelha...

Elga Arantes disse...

Que vontade ter convivido mais tempo com os meus.

Desejo que você vá visitá-la já em sua casa nos próximos dias, ainda.

Linda sua homenagem.

Um beijinho.

Karen disse...

Ai que lindos. São casais assim que me inspiram e sempre me lembram que o amor é sim para uma vida inteira...

bj

Elga Arantes disse...

Gente, moça, cadê você?

Saudades de seus textos...

Espero que logo retorne.

Beijos.

Anônimo disse...

Vc é demais Luiza, hoje é aniversário do Vô José, vamos rezar para ele. Beijos