terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Às vezes, faz-se necessário ouvir o silêncio.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Vinte e uma primaveras

Se, nesse momento, meu coração pudesse ser representado, não seria através do vermelho comum e das formas arredondadas que se unem, terminando como na ponta de um triângulo. Não, meu coração agora não tem essa forma...

Meu coração são aqueles sorrisos. Sorrisos doces e cheios de cor daquelas crianças que abrem suas almas e as entregam em minhas mãos, quando brincamos de queimada, jogamos capoeira e corremos pelas ruas da Jaqueira – eu, numa tentativa já sabidamente frustrada de escapar das mãozinhas e dos abraços, quando afirmam orgulhosos “peguei,tia!”.

Meu coração é o abraço daquela mãe, que se felicita por me oferecer um copo d’água. Ela não sabe, mas é esse o melhor copo d’água de minha vida. É água que dá a vida. E é também aquele olhar profundo e confiante de uma nova amiga, responsável por amar, educar e transformar em homens seus cinco meninos.

Ele possui, ainda, a forma da esperança, aquela que se revela quando fecho os olhos e é sobre uma certeza que minha alma pousa. Certeza essa, mesmo que inquietante, alentadora. E nem por isso carregada de paradoxos. Ao contrário... Esperança naqueles olhos de mar, capazes de ser o Salvador de todos os meus momentos por vir. Capazes de tingir de amarelo, vermelho, laranja e azul Royal todos os meus dias.

Ele, o meu coração, tem uma melodia de Oswaldo e vibra ao sentir a força do atabaque e a gravidade do cajón; e se emociona ao som da flauta doce, doce como ele próprio.

É Sol. Sol que aquece e é a fonte de todas as coisas que há em mim. Aquele que dá vida e ilumina os caminhos, porque ainda que carregado de representações belíssimas – e reais – esse meu coração é um campo vasto e desconhecido. Há de ser fertilizado.

E a intensa busca bem conhecida por ele será então satisfeita, quando perceber que é, sim, em suas cidadelas que estão todos os segredos do Universo. Tão coloridos, tão intensos, tão vivos. E como é fácil perceber! Vê-de. Quão evidente e, ao mesmo tempo tão tênue! Basta olhar e ver. Porque metade de mim é amor. E a outra metade também.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Sabedoria maior

29/10/2009
Preconceito
Era uma vez o menino negro que estudava em uma escola chamada Sérgio Luiz. Os meninos que estudava na mesma escola ficavam humilhando ele, chamava de negro safado e disse que não era para ele estudar na mesma escola. Então o João foi dizer a professora. A professora chamou a mãe de João e as mães dos meninos. O meninos pediu desculpas a João, que foi humilhado.
Por isso que não podemos fazer o que aconteceu, porque nós samos diferentes por fora e igual por dentro.

Texto de Weudes de Jesus Santos, 10 anos, morador de Chã da Jaqueira

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Nostalgia

Ri, peguei sol, fiquei ardendo. Chorei, tomei picolé e cremosinho, comi bolo de inhame com noz moscada, canela e essência de baunilha. Fiquei com raiva. Abracei, senti saudades. Controlei minha raiva. Corri. Corri mais algumas vezes. Falei bobagem, fiz oração, ouvi bobagem. Terminei um livro. Comecei outro. Vi seis filmes. Lembrei da Ana e senti saudades. Pensei em Itaúnas. Fiquei indecisa, li meu mapa astral. Me impressionei comigo mesma e com a sintonia de Thiago. Senti frio na barriga, fiquei ansiosa, tive dor de barriga. Me senti entediada. Bebi água de coco, comi tapioca. Andei na orla à noite, fui pra Ponta Verde num domingo. Achei um espaçozinho na areia. Tomei banho de mar, dei aula para criança. Brinquei de pega-pega, fiquei sem ar. Senti raiva do vento e das figurinhas das crianças. Fui pra Jaqueira. Peguei ônibus, andei de carro. Deitei na rede, senti o vento gostoso no rosto. Fui a um aniversário. Conheci Sauaçuí, liguei para o meu pai. Escrevi para Ana, mandei mensagem para o Garrote. Senti medo de voltar para casa. Pensei na faculdade, senti medo de voltar pra Nutrição. Lembrei de meus avós e senti o coração apertar. Terminei o Livro 2 com a Sara, o 6 com o Flávio e o 4 com a Maria. Comecei o 7 e dois 6. Terminei a segunda unidade do 6 com Edla e Tamiri. Comi brigadeiro. Ouvi a história de Manuela. Sofri ao saber ter ela planejado a morte de seu marido, Antonio. Senti medo de Antonio e Pedro. Beijei a bochecha rosinha do Guilherme. Pedi ajuda ao Junior na aula de criança. Facilitei grupos de pré jovem. Me emocionei com os alunos. Ouvi Maria dizer que não gosta de pensar em quando eu for embora. Ouvi a mesma Maria contar ter um trauma. Ouvi, ainda, dizer que seu filho W. tem a ajudado superar, pelo exemplo que tem visto em nossas aulas. A vi alegre por estar aprendendo a ler. Ofereci ajuda a uma mãe que pediu. Escutei sua história a respeito do filho que roubou. Abracei Bruno. Recebi dele vários presentes. Amei e guardei todos eles. Tomei banho gelado. Senti muito calor. Tentei reconciliar Sara e Laçana, Emily e Érica. Ainda não tive sucesso nisso. Ri com Quitéria. Ouvi me chamarem de "exigente". Fui sincera com Raul. Conversei com André. Sonhei com pessoas especiais. Senti vontade de dizer e me calei. Pedi conselhos à Jovanka. Falei ao telefone com minha mãe. Chorei. Ouvi a voz de Carol, Silvia e Garrote. Também de Ana e Nanda. Conversei com antigos amigos. Senti vontade de dançar forró. Ouvi Oswaldo, Luiz Gonzaga, Meketrefe e Teatro Mágico. Estudei sobre o "ego". Colori, recortei, colei e remontei. Escrevi. Amei muito. Pedi a Deus. Orei pelo meu futuro. Pedi pela humanidade. Li sobre Pedagogia. Dormi, descansei. Pensei em Psicologia e perdi o sono. Vi Edla e Sara se lambuzarem na areia. Vi as duas e Raul brincando de lutinha na sala. Ouvi o pum do Raul ao fazer força na luta. Ri muito. Conversei pelo MSN, senti saudades de Tahirih e Bahiyyih. Fiz amizade com Neli e troquei dicas sobre bolos. Fui à reunião devocional e ao teatro. Dancei forró com um senhor. Dancei mais com Cadu e Denis, amigo de Edla. Levei bolo no Galileu. Nunca mais voltei ao Cleto. Tive muitas manhãs "livres". Falei um oxi cantado. Ensinei a Fé e aprendi muito mais. Me esforcei e recebi confirmações. Tentei me conhecer.
Pedi aos alunos que escrevessem na folha em branco futuro. Estamos, agora, esperando por ele.
...


terça-feira, 22 de setembro de 2009

Na Jaqueira,

As crianças aqui brincam de chimbra. Passam o dia com chinelo de dedo e bermudinha, enquanto correm pelas ruas da Jaqueira. Seus joelhos guardam as marcas de cada brincadeira, os lembram de cada tombo e de cada dor. "Gostosa essa dor da infância". As bicicletas não param nem por um minuto. Aquele par de rodas é guiado, a cada volta, por uma criança diferente: apesar de levadas, aqui elas sabem dividir.

As brincadeiras se misturam aos sons vindos do bar - de uma gente que não tem trabalho fixo. Aos cheiros dos cachorros soltos na rua. E ao perfume das mães cansadas pelo serviço de casa.

Algumas já sabem cozinhar e varrer o chão. Outras não fazem mais que brincar. Poucas estudam. São crianças, apenas. E, às vezes, nos esquecemos disso. Perdemos a paciência quando o choro é estridente e, seguindo nossa limitada compreensão, mimado. Brigamos quando são desobedientes e nos irritamos quando são elas, na verdade, as irritadas.

Meus Deus, quem as ensinará a ter amor? Quem lhes dirá ser, o seu futuro, maior e melhor e mais digno do que jamais se imaginou ser? Que a terra o faça, se permanecerem negligentes os seres humanos, e nunca as abandone. São crianças, apenas.



Por Raul Spinassé - "Infância em meio aos barcos"

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O intrépido abraço

Seu Manoel era um daqueles velhinhos simpáticos. Parecia guardar nos bolsos de sua bermuda azul - a mesma de sempre, mais castigada pelo tempo que ele próprio - o vigor e o espírito dos jovens. Suas palavras carinhosas eram sempre seguidas por um largo sorriso branco, capaz de revelar todos os seus 32 dentes, ainda grandes e bem conservados. O sol, seu amigo e companheiro por tantos anos à beira mar, havia deixado sua marca amarela naquela pele um dia mais lisa e hidratada. Os olhos verdes revelavam tantos mistérios quanto simpatia e amorosidade. Seu Manoel tinha um segredo: ele sabia abraçar com o olhar.
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Dona Júlia adorava fazer bolos. Para o entardecer vermelho, bolo de laranja. Para a alvorada azul, fubá. Seus dias eram assim, misturados ao cheiro quente vindo da cozinha. Ela era uma daquelas velhinhas lindas! Seus longos cabelos brancos estavam sempre presos em um coque, elegante mesmo quando seguro por grampos, desprovidos de suas presilhas - delicadas como ela mesma. Companheiras inseparáveis de Dona Júlia eram as letras. Mesmo aos 81 anos de idade, ela sentia suas mãos firmes vibrarem ao passar as páginas e seus olhos já cansados procurarem avidamente por aquele conjunto de símbolos, repletos de sentido. Dona Júlia tinha um segredo: ela sabia abraçar com as palavras.
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Formavam um casal óbvio. Não havia como não imaginar haverem sido, os dois, nascidos um para o outro. Ambos pareciam fechar os olhos quando sorriam e dormiam antes do "felizes para sempre", quando assistiam a um filme. E era sempre no que o outro estava pensando em que pensavam eles - cada um consigo.
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O outono se aproximava do fim, anunciando a chegada do inverno. E, no frio, era quase impossível segurar sozinho tanta bagagem. Eram 8 décadas de experiências e não dividi-las se tornava cada vez mais doloroso. Foi assim que, inevitavelmente, se descobriram Seu Manoel e Dona Júlia. A partir de então, os dias ganharam cores novas. E todos seriam dedicados ao abraço: enquanto Seu Manoel a olhava, Dona Júlia escrevia para ele.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Por Angela Carolina Simioni

Ah.....ela era assim,
No olhar carregava doces percepções sobre o futuro
Geralmente, nos caminhos que passava, carregava também uma mala.
Ela, menina, sentia sua mala vazia
Ladeira acima, uma mulher, sentia sua mala pesada...
Assim, ela caminhou, ela, o olhar e a mala

Caminhou, até se cansar
Até se sentir pronta.... para caminhar
Resolveu que seus dois carregamentos, estavam prontos para se encontrar!
Oxi.....
Levou a mala e o olhar à um lugar...
Indizivel
Na mala, encontravam-se,,, começos.. meios.... e fins....todos misturados e repetidos...
Ah... no olhar, cores, flores e amores

Sim....
Indizível
Mundos, distintos, complementares, singulares...
Indizível
Oticas, prismas, esferas, é isso que ela conhecia, mas o olhar não é isso
Nada, tudo, cheia, vazia, a mala está isso, mas não é isso....
Indizível, mas não invizivel, aliás, se percebia de longe, os olhos com malas e as mãos com doces...
Ah.....
Resmungou o matuto
A moça da mala cheia de doces...
Um olhar cheio de tudo
Joga com o vento, que pra não fechar os olhos, os proteje com as mãos, que agora livres...
Olha a mala, que ficou... no caminho lambuzada de doce ... no lombo de um burrico

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Não esquece jamais,

Ela tinha os pés descalços no asfalto quente. No céu não havia uma nuvem e o tempo parecia se abrir em um largo sorriso azul. Ela podia sentir a quentura dos raios do sol. Era como se essa quentura, gostosa, lhe fizesse cócegas e, aos poucos, lhe invadisse todo o corpo até atingir o espírito. Ela ria - e sorria. Era um sorriso satisfeito, completo, mineiro.

Bem à sua frente, estava - linda e com todo o vigor dos jovens - a Praça da Liberdade. Meninas e meninos. Eram risadas, algodão-doce e bicicleta. Eram as avenidas próximas, a Rua da Bahia e até o Xodó. Liberdade! Liberdade, crianças! "Libertas quae sera tamen".

Em um de seus lados, apenas pelo cheiro típico, cores e sons, podia-se reconhecer - simpático - o Mercado Central. Reduto de tradições belíssimas, que ela sentia através de seus próprios pés descalços. É assim que ela desejava: contato com a terra. Com a sua terra. Eram os cestos de palha, os berimbaus e atabaques. Eram os doces de leite e cidra, a geléia de mocotó e o queijo minas. Era o queijo minas! E todos os outros queijos! E agora, o que ela sentia em sua boca era o gosto mineiro daquela delícia.

Girando, então, para o lado oposto e ainda sentindo-se banhada pelo sol, apresentava-se a ela - imponente - a Pampulha. E era de lá que vinha a brisa fresca, que balançava seus cabelos e aliviava o calor. Dali, podia-se ver a Igrejinha, a lagoa e o PIC. Se ficava na ponta dos pés, era possível ainda distinguir o campus da UFMG - rotineiro a alguns dias. Seriam mesmo dias? Ela já nem mais sabia: lhe era impossível, naquele momento, compreender o tempo.

Logo após a Universidade, estava o Dona Clara, com sua rua Estoril, seu Supermercado BH e a casa de Lucilhas, Guilhermes e Joãos. E como não dizer do Mineirão! Palco de tantos clássicos inesquecíveis, de tantas emoções incomparáveis e de muitas vitórias alvinegras. Seu coração acelerava quando fechava os olhos e era no domingo em que pensava. Sentia a emoção daqueles momentos, em que, de pé se curvava, se esticava, gritava, sofria e comemorava pelos jogos de seu Atlético.

Finalmente, logo atrás dela, vendo aquele espetáculo de cores, sabores e visões, estavam seus conterrâneos. Uma população mineira. O sotaque, o jeitinho cheinho de carinho e diminutivos tão peculiares a essa terra.

O sol parecia ser o mesmo, mas os mercados eram outros e a Pampulha carregava, aqui, outro nome e outras belezas. O Mineirão, um pouco menor, não era "Mineirão" e o clássico, CRB x CSA, alegrava uma outra torcida. O queijo, agora só o coalho e o manteiga. E o uai, um oxi deitado e cantado.

Era bom conhecer novos cantos, novos lugares, novas paisagens e costumes. Reconhecer a importância de cada um deles e enxergar-se descobrindo essa saudade, ao mesmo tempo arrebatadora e esperançosa. Mas seu coração, ah... seu coração era mineiro. E os seus pés também. E por conta disso, não lhe restava a menor dúvida: logo, ela voltaria.

domingo, 26 de julho de 2009

Petulante

Ah, a saudade. Quem era aquela menina para dizer de sentimentos tão amargos? Achar ser doce uma vida dura, repleta de intempéries, contradições e mau humor. Sentimentos reais. Quem era ela para dizer, sem nunca ter amado intensamente, sem nunca ter sofrido verdadeiramente, sem nunca ter partido para não mais voltar.
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Que ingenuidade a dela, pensar a saudade com bons olhos. Lembro-me quando ainda tinha em meu peito o frescor dos anos por vir – era uma juventude inteira pela frente. E quanta ingenuidade! Não pense que a idade me trouxe apenas amarguras e que tudo o que acredito ser, seja de fato, negro e obscuro e frustrante. Não, a experiência me fez entender a saudade. A saudade nua, sem as idealizações doces dos jovens e românticos.
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Porque é ela quem aparece quando estamos sozinhos. Quando, em um canto escuro do quarto, choramos por nossa própria condição. É ela quem zomba da impossibilidade de nos mantermos constantes, serenos e imutáveis. E é ela quem evidencia as mudanças às quais estamos, sempre – sempre, sempre – sujeitos.
Mas aquela menina não precisa saber. Ainda.
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É cedo, menina, para que você descubra serem irreais todas essas fantasias. Levanta, corre, emociona e a si mesmo. E abraça o mundo, assim como deseja.
E por fim, menina, não escute meus conselhos. E se possível, conserve essa saudade. Essa saudade que é só sua.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Despedida branca

Se eu estivesse ali todo o tempo, creio que contaria 57 vezes. 57 tentativas – todas frustradas. Eu torcia, orava, incentivava! Queria muito que ela conseguisse. Como queria desvendar todos aqueles sentimentos em letras, pontos e vírgulas! Como queria compreender tudo o que se passava naquele coração que, tão recentemente, abrira-se para uma nova realidade por vir.
Mas nada.
Nem uma letra.
Nem uma frase.
Parágrafo? Muito menos.
Resignada, ela olhou para a tela do computador – branca como nunca lhe havia parecido tanto. Dirigiu o mouse ao X no canto da página e agradeceu pelos textos já escritos. Fechou.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Ah, a saudade

Mexer naquela gaveta era doloroso. Muito já havia se passado e as marcas eram evidentes. As mãos enrugadas, trêmulas pelo tempo, hesitavam em remexer os papéis. E não era preciso abrir para reler, chorar pelo o que passou e se emocionar por tocar em parte de sua juventude. Saber que ali estava um pedacinho de seu passado a fazia ouvir as músicas, sentir os cheiros e vibrar com o mesmo frio que lhe corria a espinha décadas atrás.
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Eram mais de 5. Meio século sem ele. E como era possível possuir ainda, dentro de si, todos os sonhos, as expectativas e os medos de seus 18 jovens anos. A maturidade coerente à aparência que agora possuía – já cansada e velha, como se definia sempre que se avaliava ao se deparar com sua própria imagem – assegurava-lhe tratar de um eterno amor.

Amor à vida que ainda estava por vir. Ao mundo que se abria cheio de descobertas e possibilidades. Amor àquelas mãos macias, lisinhas, de quem ainda não completou duas décadas de vida. Amor àquilo que acreditara ter sido um dia.

E esse pretexto que lhe permitiu tanto amor não havia sido o mais bonito. Não havia sido o mais intenso nem o mais duradouro. Mas fora ele o primeiro. Ela, que agora sabia bem o significado dessa força maior, nem se lembrava se realmente chegou a amá-lo. E deixar sua gaveta fechada, guardando as realidades de sua imaginação, a fazia criar e recriar. Acrescentar detalhes, histórias e sentimentos, muitos dos quais desconhecidos por seus 18 primeiros anos de existência. Ah, a saudade. A saudade tem lá suas vantagens.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Mais um dia,

Dessa vez, quando ela abriu a janela, a paisagem não era a mesma. Aquele casal de velhinhos que costumava sempre ficar ali, na praça em frente, já não estava. Nem a criança de blusa amarela que corria tão alegremente atrás da pipa empinada por seu pai. Ela podia jurar que ali em frente também existira uma árvore. Uma árvore carregada de frutos. Havia um balanço, ao lado do jardim. Eram tantas flores! Amarelas, vermelhas, rosas. Mas agora, o aroma já não era mais delicado e colorido. Parecia não restar nada. Nenhum sinal de vida. Tudo e todos haviam se recolhido durante aqueles dias.
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E a dor era tamanha que o redor lhe saltou às vistas - cheio de vazios - apenas no segundo ou terceiro dia. Não era a ausência do outro lado da janela, apenas. Essa ausência, petulante, entrara como uma visita inconveniente, que chega sem data para partir. E insistia permanecer. Do lado de cá, de onde se podiam notar todas as faltas externas, ela agora chorava também pelas internas.
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Era o espelhinho azul de fazer a barba que não estava mais lá, as camisas sociais que desapareceram dos cabides – que desvestidos, pareciam ser muitos, o armário vazio, o silêncio do carro que não entrava mais pelo portão da garagem. Era também o número de pratos na mesa: antes quatro, agora três e até os sapatos espalhados pela casa que, naqueles dias, ocupavam outra sala em outro lugar. Tudo lhe preenchia com um vão, repleto de lacunas, vazios e vácuo – com todas as redundâncias e contradições que lhe cabiam.
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Mas ainda restavam as lembranças. O casal de velhinhos, o sorriso largo da criança e as flores eram recentes demais na memória dela, que agora, sentia-se unicamente ‘filha’. Não era hora para chorar demais, sofrer demais, sentir demais. O momento da separação era, sem dúvida, o momento do amor. E sem saber mensurar essa força maior (sim, é o amor a maior força), ela reconhecia-o como parceiro inseparável, que a ajudaria seguir em frente e mostrar para quem quer que fosse que família é encontro de almas. Muito além de todas essas limitações humanas.

sábado, 7 de março de 2009

Muito mais que sonhar,

Não precisava do Sol. Apesar de linda, a paisagem parecia não lhe preencher. A cidade era um pretexto. A viagem também o era. Sua vida até então se mostrou um pretexto para aquele dia acontecer.

A praça era grande, mas foi possível reconhecê-lo de longe e antes de se aproximar, já era possível sentir os primeiros sinais que lhe gritavam ‘é ele!’. E não tardou para que ela logo questionasse se teria sido também descoberta – ou apenas, reconhecida.

Eu não estava lá, mas senti de longe os cheiros leves e pude ver as cores bonitas do céu. Plagiando a morte, em “A menina que roubava livros”, era eu agora, a vida, presenciando o nascimento daquilo de mais simples e nobre que pode existir. Aquilo que a morte é incapaz de calar e que acompanha as almas por toda sua eterna existência.

E sem nada ver, senti-o nascendo entre eles. Seus olhares haviam sido fecundados e não era possível dizer em qual deles estaria o ventre que levaria o fruto desse encontro. Mas agora, quando os olhos enxergam 1800 km de estrada pela frente, posso dizer que dentro de cada um deles, está aquele momento.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Feliz 2009,

Coração disparado. Mesa posta. Toalhas brancas, guardanapos brancos, roupas brancas. Sentia-se realizada após um ano de muito trabalho e dedicação àquela família. Nos últimos 5 minutos de 2008, estavam ali, todos eles em círculo, de mãos dadas, se entreolhando com carinho e orando por um ano tranqüilo, repleto de paz e saúde e, se não fosse pedir muito, disse o velho, “que Deus se lembre também da prosperidade, através do sucesso nos negócios”. Recomeçar junto.
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Coração disparado. Pés na areia. Faltavam 5 minutos apenas e seu maior desejo, naquele momento, era chegar à praia antes da virada. Queria molhar as mãos, o rosto, os pés e a alma. Para ela, nunca a água havia possuído tantos significados: renovação, limpeza, purificação. Ela não usava relógio e não precisava. Ali, o tempo parecia mero espectador da esperança. Um simples pretexto para reacreditar, ter Fé e forças para continuar em frente. Enfim na beira do mar, abriu os braços e num suspiro, deixou que o ar invadisse seu peito, carregando consigo cheiros, emoções, sentimentos, pessoas, desejos e sonhos. Todos e tudo para dentro de si. Recomeçar por fora.
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Coração disparado. Jovens e adultos, a maioria desconhecidos. Open bar. Barulho, confusão, música alta. Amor para dar e vender. Os últimos 5 minutos eram dedicados a encontrar rostos conhecidos – tarefa difícil essa. Mas, tudo bem, “abraçarei qualquer um que estiver à minha frente”, pensou ele decidido a enfrentar mais uma vez aquela multidão de pessoas que insistiam em permanecer no seu caminho, atrapalhando as passagens, rindo e conversando exatamente nas portas que davam acesso à varanda. “Abraçarei qualquer um, sim, caso não encontre ninguém. Mas aqui dentro já é demais”. Recomeçar só.
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Coração disparado. Faltavam 5 minutos apenas e o único sinal que seu corpo dava era aquela palpitação mais fora de hora. Sem qualquer sentimento de renovação, vida nova ou esperanças realimentadas. Nada disso. Hoje seria um dia como outro qualquer. Ser o último de 2008 não lhe daria nenhum ar de superioridade. Diante da enorme janela de seu quarto, correu para fechar as cortinas e terminar por completar sua escuridão. Não queria ver a passagem do ano, os fogos, as comemorações. Queria tempo para se ouvir. Sozinho. Recomeçar por dentro.
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Passada a tão esperada hora, ninguém notou os primeiros 5 minutos do ano. Mas os corações já estavam tranquilizados. E tudo já havia recomeçado.