sexta-feira, 19 de junho de 2009

Ah, a saudade

Mexer naquela gaveta era doloroso. Muito já havia se passado e as marcas eram evidentes. As mãos enrugadas, trêmulas pelo tempo, hesitavam em remexer os papéis. E não era preciso abrir para reler, chorar pelo o que passou e se emocionar por tocar em parte de sua juventude. Saber que ali estava um pedacinho de seu passado a fazia ouvir as músicas, sentir os cheiros e vibrar com o mesmo frio que lhe corria a espinha décadas atrás.
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Eram mais de 5. Meio século sem ele. E como era possível possuir ainda, dentro de si, todos os sonhos, as expectativas e os medos de seus 18 jovens anos. A maturidade coerente à aparência que agora possuía – já cansada e velha, como se definia sempre que se avaliava ao se deparar com sua própria imagem – assegurava-lhe tratar de um eterno amor.

Amor à vida que ainda estava por vir. Ao mundo que se abria cheio de descobertas e possibilidades. Amor àquelas mãos macias, lisinhas, de quem ainda não completou duas décadas de vida. Amor àquilo que acreditara ter sido um dia.

E esse pretexto que lhe permitiu tanto amor não havia sido o mais bonito. Não havia sido o mais intenso nem o mais duradouro. Mas fora ele o primeiro. Ela, que agora sabia bem o significado dessa força maior, nem se lembrava se realmente chegou a amá-lo. E deixar sua gaveta fechada, guardando as realidades de sua imaginação, a fazia criar e recriar. Acrescentar detalhes, histórias e sentimentos, muitos dos quais desconhecidos por seus 18 primeiros anos de existência. Ah, a saudade. A saudade tem lá suas vantagens.