segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Ela disse adeus

Para luaR
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Era um campo enorme e verde. Dele ao longe podia-se avistar a imensidão azul do mar. A brisa era fresca e dava vida-alma a tudo que se permitia adentrar aquela realidade.
E havia uma casa. Desta, abria-se para fora uma única janela. Era o porto da menina, janela pela qual ela via o mundo e deixava que o sol a visse. As duas - casa e janela - eram já velhas, desgastadas pela força da luz que recebiam por tantos amanhecer. E embora frágil para os estranhos, era firme. E era especial. Ela guardava a menina com o sorriso da esperança e a tranquilidade da confiança em Deus.
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Todos os dias, logo cedo, a menina era convidada pelo sol a deitar-se sob o verde do campo, ainda úmido pelo sereno da noite anterior. Permanecia ali por um bom tempo. Transformava-se em parte daquela natureza enquanto mergulhava, tão ensimesmada, em sua própria. Costumava levantar-se e caminhar até a pedra mais alta, de onde contemplava, distante, o avançar e recuar da infinidade turquesa de um azul que abria-se em mar. Nunca havia se aproximado.
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Até que certo dia, a brisa - aquela mesma vivificadora de almas - soprou dentro da menina uma vontade grande. E era essa uma vontade tão intensa que não foi possível hesitar.
E a menina correu. Correu muito. Enquanto cortava, com seu próprio corpo, o campo cada vez mais fértil, sorria, assustada com sua própria coragem. Vez por outra, parada de braços abertos e olhos fechados diante do sol, amedrontava-se, sentindo-se pequena e alheia demais àquilo que ela mesma fazia. A brisa insistia em soprar e a menina dava passos cada vez mais rápidos e maiores.
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Tudo, naquele momento, eram seus passos. Rápidos, seguros, cheios de certeza. Não havia mais campo ou verde ou casa. Tudo era o avançar da menina em direção ao mar. Pressa. Silêncio. A brisa não mais soprava. Era o fim do caminho e agora ela estava ali na areia. Não havia vento, não havia som nem tempo. Vagarosamente e com o cuidado de um beija-flor que retira o mel da flor, ela passou pela areia e alcançou a água. Linda! Tão impressionante, tão magnética, tão transparente. Olhando para o mar, a menina se viu pelo reflexo. Imaginou-se, ela, em íntima comunhão com a imensidão azul. Apaixonou-se. Apaixonou-se pela certeza da união com o mar, pela sua tranquilidade e plenitude e apaixonou-se pelo amor que descobriu dentro de si. Ele que sempre estivera ali. Sempre quieto e calado. "Seria a sorte de um amor tranquilo?".
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Não havia ansiedade. Foi uma descoberta calma. A menina não mais corria ou tinha pressa. Tempo. Nesse primeiro encontro, contentou-se em molhar os pés, as mãos e o rosto e em olhar, profundamente, seu novo velho amor. Voltou para a sua janela e ficou a esperar o amanhecer, trazendo o convite do sol. "A brisa há de soprar novamente".
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Não soprou. Aquela bruma - e todos os outros ares - se importavam agora com um outro norte. Mas a menina, sem disso saber, continuava a esperar, desejando beijar com sua alma a água mais límpida já vista. Tempo, tempo, tempo. Nada.
O mar, distraído com sua própria existência, não percebia. Mas, apesar de distante, fez-se presente no desabrochar da menina. Deitada no verde campo, ela se enxergou. Viu cicatrizes, saudades e imperfeições. Gostou de si. Pensou que sobreviveria a tudo que pudesse lhe causar dor e confiou em Deus.
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Nesse mesmo dia, logo quando o sol se despediu do céu para nascer em um outro horizonte, ela se dirigiu ao mar. Não correu. Serena, atravessou o campo, sentiu a areia e fitou tudo ao seu redor: o mar estava a beijar a lua. Era o luar mais acolhedor que poderia existir. Mar e lua eram um único ser e aquele espetáculo de cor fez vibrar o coração da garota. Ela, aos poucos, se fazia mulher e via sua certeza transformar-se em paciência. Dirigiu-se a água, molhou os pés, as pernas, a barriga, os braços, o rosto... Mergulhou por inteiro e se fez mar aquela noite. Admirou o luar como nunca fizera antes e guardou, em si, cada sensação, pois sabia da saudade que sentiria após aquele último encontro.
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Saiu calmamente da água. Tateou a areia e chegou à terra firme. Passou pelo campo e voltou para a casa. Fechou a porta e abriu a janela. Pensou em chorar, mas alegrou-se pelo que vivera e pelo o que estava por vir, longe de tudo aquilo.
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Por muitos anos, ainda subia a menina na pedra mais alta para admirar o mar. Ela não iria mais à praia, mas contentava-se em esperar o anoitecer, só para ver a lua se aproximar e deitar, amarela, sobre as ondas. A menina estava feliz. E logo descobriria um novo amor. Amor para amar. Amor para amar o mar.