sexta-feira, 10 de abril de 2009

Mais um dia,

Dessa vez, quando ela abriu a janela, a paisagem não era a mesma. Aquele casal de velhinhos que costumava sempre ficar ali, na praça em frente, já não estava. Nem a criança de blusa amarela que corria tão alegremente atrás da pipa empinada por seu pai. Ela podia jurar que ali em frente também existira uma árvore. Uma árvore carregada de frutos. Havia um balanço, ao lado do jardim. Eram tantas flores! Amarelas, vermelhas, rosas. Mas agora, o aroma já não era mais delicado e colorido. Parecia não restar nada. Nenhum sinal de vida. Tudo e todos haviam se recolhido durante aqueles dias.
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E a dor era tamanha que o redor lhe saltou às vistas - cheio de vazios - apenas no segundo ou terceiro dia. Não era a ausência do outro lado da janela, apenas. Essa ausência, petulante, entrara como uma visita inconveniente, que chega sem data para partir. E insistia permanecer. Do lado de cá, de onde se podiam notar todas as faltas externas, ela agora chorava também pelas internas.
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Era o espelhinho azul de fazer a barba que não estava mais lá, as camisas sociais que desapareceram dos cabides – que desvestidos, pareciam ser muitos, o armário vazio, o silêncio do carro que não entrava mais pelo portão da garagem. Era também o número de pratos na mesa: antes quatro, agora três e até os sapatos espalhados pela casa que, naqueles dias, ocupavam outra sala em outro lugar. Tudo lhe preenchia com um vão, repleto de lacunas, vazios e vácuo – com todas as redundâncias e contradições que lhe cabiam.
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Mas ainda restavam as lembranças. O casal de velhinhos, o sorriso largo da criança e as flores eram recentes demais na memória dela, que agora, sentia-se unicamente ‘filha’. Não era hora para chorar demais, sofrer demais, sentir demais. O momento da separação era, sem dúvida, o momento do amor. E sem saber mensurar essa força maior (sim, é o amor a maior força), ela reconhecia-o como parceiro inseparável, que a ajudaria seguir em frente e mostrar para quem quer que fosse que família é encontro de almas. Muito além de todas essas limitações humanas.