terça-feira, 25 de novembro de 2008

A dor que deveras sente,

Ela abriu os olhos e voltou a fechar. Acreditava ser a quarta ou quinta vez que repetia, vagarosamente, o mesmo movimento. Sentada em sua cama, não viu o tempo passar. Imóvel. Mais uma vez, abriu os olhos e deixou que escorresse pelo seu rosto uma das incontáveis lágrimas que ainda iria derramar.

Ele era o homem da sua vida. Ela sabia disso. Era ele o futuro pai de seus filhos, seu marido, seu companheiro, seu amigo e maior amor. Eles não nasceram um para o outro. Ela sempre cheia de esquisitices, ele sempre cheio de piadinhas. Mas viveriam um para o outro. Completar-se-iam e admirariam suas diferenças. E ela tinha tanta certeza disso. E assim devia ser.

Em seu quarto, ouvia-se apenas o tic tac do relógio. Apesar dela não se dar conta, sua dor não fora capaz de parar o tempo. A cada fechar de olhos, renovava as quase então perdidas esperanças. Ela iria vê-lo entrar por aquela porta, segurar suas mãos e lhe dizer o quanto a amava e seriam felizes.
Bobagens. Ilusões que se desvaneciam e cediam lugar ao impulso de encarar a dura realidade. Era preciso abrir os olhos.

Foram anos amando em silêncio. Quantos projetos para o futuro. Planos para um tempo em que se sentiria segura para falar sobre os seus sentimentos – os melhores e maiores. Todos eles para o responsável por tantas noites insones e tantas manhãs primaveris.

Ele se fora. Se fora sem prenúncios. Sem lhe avisar que a vida era curta e que cada oportunidade deveria ser reconhecida como única. Reconhecia-se agora ela diante da dor. Era morte. Era a morte dele que estava matando-a. Acidente de carro. Acidente de percurso. Acidentes da vida.

Ele já não mais saberia daquele amor. Ela já não mais poderia lhe dizer o quanto sentia.
Fechou os olhos, mais uma vez, sentindo ter ele bem próximo de si – mesmo sabendo que nunca mais poderia vê-lo e percebendo o vazio transformando-se em saudade.
Abriu novamente. Enxugou todas as lágrimas que lhe molhavam o rosto, e que nesse momento eram muitas, desligou o relógio e se levantou para buscar caneta e papel. Era preciso escrever.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Quisera ela que assim não fosse,

Eu você e todos os encontros casuais
os ais e os hão de ser e todos os casais também
olha, acho até que quem achou que nunca ia
esse ia se espantar de ver que o ódio e o amor
e até eu vou pra ver no que vai dar
a massa a moça
e até esse pra sempre

tudo passa.


quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Jorge Henrique



Ele tinha nome de avô, provavelmente nascido na década de 20 ou 30. Podia também ser nome de galã de novela mexicana, daqueles que sofrem por amor e salvam a mocinha ao final da trama. Seu jeito era de menino recém chegado do interior, trazendo na mochila a saudade de casa e uma gama de valores e princípios vindos de uma família muito bem estruturada. Mas o que mais chamava atenção era o olhar. Olhar carregado de pureza, diferente daquela beirando a infantilidade e a bobeira. Era uma pureza madura, que gritava para ela a eterna criança que ele seria e se desvendava num sorriso capaz de acolher o mundo.
Não fosse o tamanho de sua cabeça, ela tinha certeza que o levaria para sempre num potinho. A vontade era essa: tê-lo, todos os dias, a seu lado. Mas isso já não era possível. Aqueles dias de aula pareciam chegar ao fim. Ainda faltavam alguns períodos (talvez metade de uma recente caminhada) e o tempo voava. E a cada dia, a certeza - o mundo era pequeno demais para ele. E ela sabia disso.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Conversa infantil, para Baré

- Pedro...
- Que foi?
- Ah nada. (...) Você tá tão mongol hoje.
- O que?
- Ah, nada.
- Tava pensando Manu... é que às vezes, te vejo olhando muito pra mim.
- Eu te olhando? Ah, Pedro... acho que quem olha aqui é você! E é você pra mim.
- É, tenho olhado bastante mesmo. Mas, você também. Então eu pensei que quando isso acontece, sei lá, isso de duas pessoas se olharem muito, deve ter um motivo, não deve?
- É deve. Você viu a professora hoje? Achei que ela não fosse liberar a gente! Tô morrendo de fome.
- Deve o que, Manu?
- Deve ser a Lei da Atração: VOCÊ me olha e por isso, eu te olho.
- É. (...) Manu...
- O que?
- É... (...). Também achei que a professora nem fosse liberar a gente hoje. Tava super cansado da aula já.
- Pois é. Mas, Pedro, qual motivo você acha?
- Não sei.
- Então tô certa. É a Lei.
- Mas tem que ter um motivo menina, pra essa Lei ai, de VOCÊ me olhar e me fazer te olhar.
- Menina? Nossa, que delicadeza de mongol!
- Ah Manu, tô falando de sentimento.
- (...)
- E sentimento pode ser bom e ruim. Antes de te conhecer já te via de olho em mim.
- Ih Pedro, não viaja.
- É, chega de viagem. E hoje, você vai na festa da sala?
- Vou sim! Você vai né? Vai ficar me olhando, mongolzinho?
- Agora que você vai, eu vou. Só pra ficar te olhando.
- Então tá bom! Até que você é engraçadinho!
- Manu... (...)
- Pedro... (...)
- Que horas são?
- Ah deve ser perto de uma hora. Estamos andando tem uns dez minutos no máximo.

...