sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Ainda há tempo



Ela estava a alguns quilômetros de distancia. Mas era como se estivesse lá. Conseguia sentir o cheiro do mar, o vento fino batendo no rosto e o peito parecendo explodir de alegria. Se fechasse um pouco mais os olhos poderia ainda ver o mar. Ver as pessoas que passavam por ali, que acenavam para ela com uma receptividade inconfundível. Agora, ela já podia também ouvir o barulho das ondas quebrando e aquele sotaque. Ah, aquele sotaque que lhe amolecia a alma. Difícil era entender todas as palavras e traduzi-las para o seu “mineirês”. Mas fácil era notar como cada uma delas apresentava-se carregada de brasilidade e, assim, no fundo, todos falavam a mesma língua.
“Oxe lindinha, vai ficar ai na porta? A casa é sua”. E agora, ela entrava naquela casinha cor-de-rosa, recém pintada de Fazenda Coutos. Quem lhe abria a porta era Dona Alda. Dona de um abraço aconchegante, de um sorriso largo e de uma pureza quase infantil, que lhe disfarçava a força, a coragem, a determinação e a Fé.
Ali dentro, estavam crianças, jovens e adultos, todos moradores de Coutos. Rostos novos e desconhecidos. Expressões amigas e olhares acolhedores. Aquelas pessoas, as quais via pela primeira vez, mostravam-se carregadas de significados e a identificação parecia ser completa. Sem preconceitos, distâncias ou diferenças. Eram todos iguais. E mais do que isso, pareciam todos, um único ser.
Sentada no sofá, ao lado de sua irmã – responsável por aquele encontro único e inesquecível – ela parecia registrar com os olhos e o coração cada momento, cada palavra e cada sensação. E aos poucos, saia de lá.
Em alguns segundos, sobrevoava o oceano, passava por Porto Seguro, Ilhéus e Governador Valadares e, logo, estava em casa – de frente para o computador, três meses depois daquela viagem. Três meses para compreender que não seria necessário um texto formal, com palavras rebuscadas e concordância perfeita. Ela queria sim, escrever o seu melhor, para que pudesse ser justa ao que sentiu vivenciando tudo aquilo. Mas isso seria impossível. Optou, então, pela simplicidade. Simplicidade essa, que entendeu apenas quando voltou da casa de Dona Alda.
Agora, distante de uma realidade que já não parecia lhe pertencer, lutava para conservar o momento gravado em sua alma, o que definitivamente não era difícil. E desejava transformar o amor que sentira naquele dia em trabalho e serviço para a humanidade. Afinal de contas, sabia da existência de inúmeras “Fazendas Coutos” espalhadas por aí.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

"É que a lembrança vem com a saudade.
Quando a saudade a vem não dá pra segurar".

domingo, 26 de outubro de 2008


Se olhar e não se reconhecer. Ela não tinha nem 20 anos completos e já experimentava aquela estranha sensação. De onde vinha o riso rasgado? Certamente, tinha a mesma origem daquelas respostas irônicas e do jeito decidido. Ela, que até então se perdia em suas dúvidas, via-se, agora, segura em perceber-se repleta de possibilidades. O medo da “única escolha” transformara-se em desejo de abraçar todas elas.
A ironia lhe servia como luvas. Embora fosse necessário conhecê-la para perceber, tal recurso perdia toda sua sagacidade quando acompanhado da doçura de seus gestos e da pureza que, sim, ainda existia em sua alma. A mudança parecia repentina. Ela ainda se assustava em perceber a ausência da timidez, sua antiga companheira, e já não mais gostava – e aceitava – quando ela insistia em dar as caras.
Por várias vezes fixava o olhar no espelho: a busca desesperada por elementos que pudessem lhe caracterizar aos poucos foi sendo substituída por uma curiosidade do que ainda estava por vir. Em quem ela se transformaria?
Perdida em tantas novidades, já não era possível distinguir características. Todas elas se misturavam e terminavam por compor quem ela era, foi e seria.
E olha que muito – quase tudo – ainda estava por vir.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Família Sentimento

Tristeza. Alguns dias acordava imponente, sagaz e atuante. Vestia-se da maneira mais elegante e não se esquecia do perfume, para deixar, por onde passava, um rastro de seu cheiro. Alimentava-se dos melhores sabores e, ao fim do dia, colhia os melhores frutos, quando ia de encontro ao Amadurecimento.

Amadurecimento. Senhor das horas, dos tempos e dono de uma sabedoria invejável. Sempre tão compreensivo e amigo, raramente deixava transparecer sinais de inquietude e insatisfação. Mas, quando encontrava-se inesperadamente com a Tristeza, assumia uma infantilidade que não lhe era peculiar e uma vontade de provar, para a Alegria – que bem a sua frente estava – toda a sua imaturidade, revertida em um choro de criança. Em um chorinho.

Alegria. Uma graça! Mas por ser, sempre, tão desejada, deixou que a soberba lhe invadisse o coração: apresentava-se só quando lhe era conveniente. Suas aparições costumavam ser grandiosas e repentinas. E, da maneira inesperada como chegava, partia, deixando lembranças e saudades. Nesses momentos de glória, diferente da Tristeza, Alegria fazia uso de um perfume discreto, capaz de ser percebido apenas pelos mais atentos e sensíveis à sua presença. Esses, não precisavam enxergá-la para senti-la.

Emoção. Era ela a mãe da Tristeza, do Amadurecimento e da Alegria. Seu maior esforço era dedicado às tentativas de transmitir aquilo que aprendera com seu marido, pai de seus filhos, o senhor Razão. Não era fácil perceber que seus três pequenos haviam dado ouvidos ao que dizia. Afinal de contas, Emoção era dona de um temperamento forte e, por vezes, se esquecia dos conselhos do senhor Razão. Mas, nos momentos em que marido e mulher – Emoção e Razão – se encontravam, às vezes, já tarde da noite, era como se transformassem em um. E, só então, era possível compreender quão unida era aquela família.